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Foto do escritorRodrigo Guerón

A morte está nas ruas: Precisamos enfrentá-la

A morte está nas ruas e, mais do que naturalizada, ela é glorificada. Esta é uma parte decisiva da estratégia bolsonarista. Eis um dos motivos, aliás, por que acho que o bolsonarismo é fascismo e porque o fascismo tem a ver com capitalismo. Fascismo é também uma economia-política da morte (e aqui economia-política no sentido tradicional e no sentido libidinal são uma única e mesma coisa: o que circula socialmente é sempre, de certa forma, o desejo). A intensidade da violência e da morte é, às vezes, a última potência — a última "vida" — que parece restar às pessoas numa máquina social onde tudo virou forma-mercadoria, inclusive os corpos. Transformar tudo em quantidades abstratas em forma de moeda — forma-mercadoria — é uma operação esvaziadora do desejo. O grande Milton Santos dizia sempre que o desejo precisa muito mais do que uma relação com as coisas tomadas apenas como mercadoria. No limite da violência o capital expropria o desejo, enfraquece os viventes em quase tudo, mas oferece as emoções da guerra, o excitante jogo diário onde se aposta a própria vida na morte do outro, vivendo a própria vida no limite. Não é só porque ele vende armas que "lucra" e extrai mais valia com isso.


Se é verdade que não adianta muito dizer "não apoie Bolsonaro porque ele é fascista", é contra uma economia-política da morte que estamos lutando (fascismo, portanto). Então a questão é como desmontá-la.

Imagem: Hamish Weir

Pois bem, tem um efeito político imenso a estratégia de Bolsonaro de chamar quem defende, respeita ou pode respeitar o distanciamento social de covarde. Ele convoca as pessoas para sair, para trabalhar, como quem o convoca para a guerra (como já disse em outro texto, para eles "a economia é a pátria"), e aí se cria um elo entre Bolsonaro e as pessoas.


Nesse sentido, vou dizer algo, talvez, polêmico: só há um jeito para a resistência, tomando os devidos cuidados e pensando estrategicamente; sair às ruas. Pode não ser neste exato momento onde algumas regiões, pelo desespero (mas também por absoluta necessidade), começam a decretar (tentar) lockdown. Mas se a esquerda seguir nesse lugar de superioridade moral, isolada em suas casas, chamando todo mundo que sai de ignorante, vai seguir literalmente isolada. Inclusive não conseguindo organizar uma insatisfação social que, na minha opinião, já está latente. Tudo bem, também tenho essa sensação e essa irritação diante de alguns comportamentos, e até acho que no confronto com atitudes bolsonaristas mais convictas pode haver uma fala desse tipo. Não estou defendendo aqui "boas maneiras" e "piedade paternal com o povo", o que nos levaria ao mesmo problema do lugar de superioridade da esquerda, que depois da derrota do lulismo vive um momento profundamente restaurador de seus piores lugares de conforto iluministas... O que eu estou dizendo é que só é possível derrotar o bolsonarismo se enfrentarmos a morte. Por que? Porque a morte já está nas ruas, capturada e afetivamente gerida pelos fascistas, a favor deles mesmos que a provocam e intensificam.


E que fique bem claro, isso não tem nada a ver com o "todo mundo vai morrer um dia" do Bolsonaro; tem a ver, na verdade, com "as pessoas estão morrendo agora e isso é um fato". O discurso e a ação política que se isola desse fato, e de todo afeto social que vem com ele, não é de esquerda, não é de luta: é assepsia e medo de classe com verniz intelectual. E pior, empurra uma massa de pobres e trabalhadores de volta ao bolsonarismo e até aos seus próprios patrões, os únicos que lhes parecem "defender o funcionamento da economia". Sair na rua é importante, até para se irritar com as pessoas com propriedade, para chamar de imbecil quem merece ser chamado, porque também não se lida com fascistas com polidez. Temos que pensar nisso, nossas próprias manifestações de rua consideradas com protocolos (as manifestações antirracistas de junho no Brasil foram exemplo disso), e que estes protocolos sejam a nossa nova luta: a nossa nova estética (chega de carreatas, por favor...). A única luta que mobilizará é a que colar na vida. Sim, amigos, os fascistas não contam só mentiras, mas enunciam poderosas verdades no meio delas: a relação entre economia e vida é sim algo decisivo. Só que vacina, saúde, SUS, ciência e conhecimento, algum tipo de relação com a escola, democratização da tecnologia, auxílio emergencial, direitos sociais, renda mínima e arte (e tudo o mais que o fascismo nos expropria) tem a ver com isso. Nestes termos, não é natural nem glorioso morrer pela pátria, posto que as vidas "sacrificadas" são pelo poder, pelo acúmulo de riqueza e até pelo gozo de todas as forças econômico-políticas que hoje se agrupam em torno do bolsonarismo.

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